12/12/2023

Entidades Fechadas de Previdência complementar e a responsabilidade por ato Ilícito do Patrocinador: Reflexões sobre a Ótica da Jurisprudência do STF e do STJ

Temos notado que em muitas situações participantes/assistidos de planos fechados de previdência complementar apresentam reclamações trabalhistas contra o ex-empregador (patrocinador do plano) pleiteando verbas salariais do extinto contrato por alegado descumprimento da legislação trabalhista (horas extras, diferenças salariais, etc). São pleiteados, ainda, reflexos no valor dos benefícios de complementação previdenciária administrados pela respetiva Entidade Fechada de Previdência Complementar – EFPC.

Sob a ótica do contrato de previdência complementar, como ficaria a responsabilidade da EFPC e/ou do respectivo patrocinador frente às decisões proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho reconhecendo o direito de participantes de obterem a revisão de benefícios de aposentadoria já em gozo, em decorrência de condenação trabalhista do patrocinador?

Se referidas verbas trabalhistas tivessem sido quitadas no momento correto (na vigência do contrato de trabalho), o reflexo seria o aumento do Salário Real de Contribuição e, assim, um acréscimo no valor do benefício de aposentadoria atualmente recebido pelo participante/assistido. Porém, o reconhecimento dessa majoração da base de cálculo se deu outrora.

Muitas EPFCs, porém, têm recebido ordens da Justiça do Trabalho para recalcularem o benefícios de aposentadoria ao mesmo tempo que alguns patrocinadores têm sido oficiados (ou até mesmo processados) pelas respectivas EPFCs para recomposição da reserva matemática do participante/assistindo do que tange sua cota-parte.

Pois bem. O Superior Tribunal de Justiça – STJ firmou entendimento em três oportunidades referentes ao objeto da controvérsia: “Tema 936/STJ”, “Tema 955/STJ” e “Tema 1021/STJ”. Esse último, em especial, pode ser assim resumido: quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos de quaisquer verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, sendo que os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada, ante o ato ilícito do empregador, poderão ser reparados por meio de ação judicial a ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho.

Outrossim, a competência jurisdicional sobre a matéria também foi objeto de análise, desta vez pelo Supremo Tribunal Federal – STF, que em matéria de Repercussão Geral assim decidiu:(i) “Tema 190/STF” Compete à Justiça comum o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência com o propósito de obter complementação de aposentadoria e (ii) “Tema 1166/STF” Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada.

Algumas reflexões surgem desse contexto jurisprudencial:

(a) As ações que cobram diferenças salarias com reflexos no plano de benefícios são de natureza trabalhista.

(b) As EFPCs não possuem vínculo empregatício com os reclamantes.

(c) Existem ações condenando a Patrocinadora e a EFPC, solidariamente, dos valores correspondentes à diferença de benefícios de complementação de aposentadoria corrigidos, referentes à incorporação das verbas salarias.

(d) Muitas EFPC pagam integralmente a execução e implementam o novo valor da prestação prejudicando o patrimônio do plano (gera automaticamente a necessidade de constituição da reserva matemática para arcar com o novo valor do benefício).

Nesse sentido, de que maneira devem as EFPC se portarem em processos dessa natureza em que se discute a possibilidade de cobrança de contribuições do patrocinador ou pleiteando a recomposição da reserva matemática?

Importante verificar, inicialmente, a configuração de uma certa espécie de “repristinação jurisprudencial” onde temos verificado, na prática, as antigas ações de complementação de aposentadoria tramitando na Justiça do Trabalho sob uma errônea interpretação do Tema 1166/STF. É preciso se atentar a isso.

Vislumbra-se, assim, algumas situações que devem ser levadas em conta pelos entes envolvidos, a saber:

(a) Possibilidade de cobrança judicial de valores de participantes que já tiveram majorados seus benefícios em decorrência de decisão judicial e não realizaram o pagamento correspondente (diferença de reservas e/ou diferença de contribuições), e da respectiva contrapartida patronal.

(b) Prescrição. STJ entende como enriquecimento ilícito. Actio nata. 3 anos. Conta-se do trânsito em julgado ou do momento do desembolso? Caberia protesto interruptivo?

(c) O patrocinador é de fato responsável? Quais medidas a serem tomadas pela EPFC a fim de obstar eventual responsabilização dos dirigentes?

(d) As ações judiciais com condenações solidárias em que a EFPC procede ao recálculo do benefício e realiza o pagamento de complementação de aposentadoria e o Patrocinador arca com as rubricas trabalhistas devem ser objeto de medidas judiciais específicas?

(e) Na prática não seria uma ação de “complementação de aposentadoria” na Justiça do Trabalho? Violação à jurisprudência do STF quanto a competência jurisdicional para apreciação da matéria.

(f) Verificação se não seria o caso de apresentação de Reclamação Constitucional junto ao STF?

(g) Existe a possibilidade de se arguir a atribuição de todos os valores exclusivamente ao Patrocinador em razão das ações serem na esfera trabalhista, cujos autores não possuem vínculo empregatício com a EFPCs, mas tão somente com o Patrocinador?

(h) Fato gerador “ato ilícito” do empregador. Não é qualquer ato ilícito que cria a responsabilidade. Necessário dano/culpa-dolo/nexo de causalidade. Necessidade de nexo de causalidade entre o ato do empregador e o dano. Pode haver culpa concorrente do empregado?

Qual a extensão dessa indenização (valor/tempo)? Indenização por perda de uma chance (la perte de chance) por não ter tido uma aposentadoria mais benéfica?

Como se verifica, todos esses assuntos devem ser sopesados considerando que, conforme dito alhures, tem-se constatado na prática uma volta da “complementação de aposentadoria” por parte da Justiça do Trabalho, o que violaria a soberania das decisões já proferidas por nossa Suprema Corte.

Juliano Barra
Sócio de Barra, Barros & Roxo Advogados.
Doutor em Direito pelo Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie em São Paulo.

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